A Anafilaxia é definida como uma reação alérgica ou de hipersensibilidade grave, sistêmica e generalizada que pode ser fatal.
Simons et al (WAO Journal – 2014) no Consenso Internacional sobre Anafilaxia (ICON) aponta como fatores de risco: extremos de idade (infância / adolescência e idosos), gravidez, algumas comorbidades (asma, doenças cardiovasculares, mastocitose) e fatores farmacológicos (uso de inibidores da ECA e de beta bloqueadores).
Há ainda cofatores que podem amplificar a reação anafilática (em até 20-30% dos casos): exercícios intensos, estresse emocional, estados infeciosos agudos, uso concomitante de AINES e etanol, por exemplo.
Os agentes desencadeantes da anafilaxia são extremamente variáveis geograficamente, de modo que dependendo do local onde é realizado o levantamento aparecem, por exemplo, tipos de agentes que nem sequer ocorrem no Brasil.
Em levantamento realizado em nove estados, a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia – ASBAI (Bernd LAG et al 2010) registrou os seguintes agentes desencadeantes, em porcentagem:
A pedra angular da história clínica da anafilaxia é a característica de instalação hiperaguda, dentro de minutos ou no máximo em poucas horas de uma reação grave e sistêmica que geralmente se inicia com reações cutâneas (apesar de não obrigatórias).
Worm et al (Allergy – 2012) em uma coorte com N= 2.012 pacientes com anafilaxia, lista em porcentagem a frequência dos sinais e sintomas apresentados:
Cutâneos 83.9%
Cardiovasculares 71.7%
Respiratórios 67.5%
Gastrointestinais 39.6%
Apresentação Bifásica:
Usualmente a anafilaxia se apresenta de maneira monofásica (precoce ou tardia), porém podem ocorrer casos de reações bifásicas: após a manifestação inicial há período livre de sinais e sintomas que, no entanto, recidivam em um segundo momento, independente de nova exposição.
Normalmente ocorrem dentro de 8 a 10 horas, porém podem ocorrer até 72 horas após a manifestação inicial (Simons et al, WAO Journal 2011)
Em revisão sistemática e metanálise de 27 estudos observacionais, Lee S. et al (J Allergy Clin Immunol Pract – 2015), dentre 4114 pacientes com anafilaxia, apresentação bifásica ocorreu em 4.7%. Pacientes com gatilhos desconhecidos e aqueles com manifestação hemodinâmica têm risco aumentado para tal.
Há mais chance se demora na administração de adrenalina, ou subdose de adrenalina ou não se administrar corticoide.
Baseado na frequência dos sintomas, Sampson et al (J Allergy Clin Immunology , 2006) desenvolveu os critérios diagnósticos atualmente universalmente utilizados para anafilaxia:
Diagnóstico = Qualquer um dos três critérios abaixo:
S97%/ E 82% / VPP 69% / VPN98%/ LR+ 5.48 / LR- 0.04
1. Início agudo de doença (minutos ou horas) com envolvimento da pele, mucosas ou ambos (por exemplo, urticária generalizada, prurido ou eritema facial, edema lábios-língua-úvula).
E pelo menos um dos seguintes itens:
a) Comprometimento respiratório (dispneia, sibilos-broncoespasmo, estridor, hipoxemia).
b) Pressão arterial reduzida ou sintomas associados de disfunção orgânica (hipotonia, síncope)
2. Dois ou mais dos seguintes sintomas ocorrendo rapidamente após exposição a um alérgeno provável para o paciente (minutos a horas)
a) Envolvimento de pele-mucosas (por exemplo, urticária generalizada, prurido-eritema facial, edema lábios-língua-úvula).
b) Comprometimento respiratório (dispneia, sibilos-broncoespasmo, estridor, hipoxemia).
c) Pressão arterial reduzida ou sintomas associados de disfunção orgânica (hipotonia, síncope)
d) Sintomas gastrintestinais persistentes (por exemplo, cólica abdominal persistente, vômitos).
3. Queda da pressão arterial após exposição a um alérgeno conhecido para o paciente (minutos a horas):
– Crianças: pressão arterial sistólica baixa (idade específica) ou uma queda na pressão arterial sistólica >30%.
– Adultos: pressão arterial sistólica menor que 90 mmHg ou queda > 30% na pressão arterial sistólica basal.
O diagnóstico é clínico. Não são necessários testes laboratoriais.
Diagnóstico diferenciais relevantes incluem reação vasovagal, crise de ansiedade/ pânico que pode cursar com “False suffocation alarm” ou falso alarme de sufocamento (Klein, 1993), crise asmática, urticária e angioedema, aspiração de corpo estranho, ou síndromes pós-prandiais (intoxicação alimentar, por exemplo).
Adrenalina (4C): Única medicação que reduz mortalidade e hospitalização
Considerar administração de adrenalina EV em bomba de infusão contínua em pacientes refratários às doses iniciais (choque anafilático) (D).
Nesses casos, o paciente deve estar monitorizado e a infusão deve ser interrompida se efeitos colaterais graves ocorrerem. Lieberman et al. (J Allergy Clin Immunol 2010) recomenda uma diluição de 4 mcg/ml iniciada a 1 mcg/min em BIC titulada pela resposta hemodinâmica até uma máximo de 10mcg/min em adultos.
Síndrome do Ventrículo vazio
As mortes por anafilaxia são decorrentes, além da constrição das vias aéreas, que será discutida adiante, do acometimento hemodinâmico e evolução para choque anafilático.
Nestes casos, todos os pacientes hipotensos devem ser colocados na posição de Trendelemburg ou decúbito dorsal com elevação de MMII, se tolerável, o que pode prevenir a progressão para o choque anafilático e a chamada Síndrome do ventrículo de vazio, devido à melhora do retorno venoso, uma vez que as mortes por hipotensão anafilática habitualmente são precedidas por síncope. Há ainda recomendação (5D) de expansão volêmica com cristaloide 10ml/kg a 20ml/kg em acesso calibroso.
Ajuste do decúbito: (5D):
Acometimento hemodinâmico: Decúbito dorsal + elevação MMII / Trendelemburg
Importante: observe se o paciente tolera, principalmente em caso de paciente com acometimento respiratório e/ou náuseas e vômito.
Afastar o agente desencadeante, se possível | 5D |
Soro Fisiológico
10ml/kg a 20mg/kg se sinais de hipotensão |
5D |
Bloqueadores H1/H2
Aliviam sintomas cutâneos Difenidramina EV 25-50 mg adulto (1mg/kg máximo de 40mg em crianças) Ranitidina EV 50mg (adulto) / 1mg/kg (máximo de 50mg em crianças) |
1B |
Corticoide
Previne reação bifásica / sintomas prolongados (5D) Mínimo efeito nos sintomas inicias Metilprednisolona 50-100mg (adulto) / 1mg/kg (máximo 50mg) em crianças |
5D |
Beta 2 agonistas
Alívio de sintomas respiratórios (sibilos) Usar doses habituais para broncoespasmo |
5D |
Glucagon
Pode ser útil em irresponsivos à adrenalina (usuários de beta bloqueadores) 1 a 5 mg EV em 5 minutos (20 a 30 mcg/kg – máximo de 1mg – em criança) *pode causar vômitos = vigiar via aérea |
D |
O2 Máscara facial alto fluxo | 5D |
Via Aérea: “earlier rather than later” (melhor precoce que tardio)
O manual de manejo da via aérea na emergência de Walls (5ª edição – 2017) dedica um capítulo exclusivo para discussão sobre manejo nos casos de obstrução aguda da via aérea superior, que é o que põe em risco a vida do paciente em Anafilaxia.
Há quatro sinais cardinais indicativos de obstrução da via aérea superior:
1 Voz em “batata quente”, ou seja, abafada
2 Dificuldade em expelir secreções. Geralmente paciente encontra-se sentado
3 Estridor (geralmente indica obstrução de pelo menos 50% da luz da via aérea)
4 Dispneia
– A intubação deve ser realizada imediatamente se sinais de estridor intenso ou de progressão para falência respiratória. Trata-se do princípio “earlier rather than later”, ou seja, é preferível se optar por uma intubação precoce, nesses casos, do que tardiamente.
– O material para intubação deve ser prontamente preparado se identificado qualquer sinal de comprometimento respiratório, ainda que inicial, bem como sinais de edema de mucosas ou de língua, úvula ou alterações vocais.
– A cricotireoidostomia pode ser necessária, porém na minoria dos casos
O manual ainda recomenda considerar a realização da técnica de intubação acordado usando fibroscópio flexível, ou por meio de laringoscopia com uso de vídeo laringoscópio (como o GlideScope), ambas as técnicas dependentes da disponibilidade dos recursos bem como do treinamento da equipe.
Em relação à sequência rápida de intubação, nesses casos, deve se considerar que tentativas falhas de se intubar irritando a via aérea ou mesmo a administração dos sedativos podem precipitar uma obstrução total. Bem como deve-se avaliar previamente a possibilidade de se ventilar o paciente com uso de BVM ou dispositivos extra glóticos.
De qualquer modo, é fundamental abordar a via aérea com um “plano B” definido bem como estar pronto para cricotireoidostomia.
O tempo pelo qual o paciente deve se manter em observação após o controle inicial da anafilaxia, é pouco explorado nos principais consensos e ainda assim as evidências se limitam a opinião de especialistas. O consenso europeu (Muraro, 2014), sugere monitorização por pelo menos 6-8 horas dos pacientes com sintomas respiratórios e 12-24 horas se sinais de hipotensão (D).
O mesmo guideline orienta ainda observação sobre qual potencial agente provocador do quadro para se evitar novo contato, além da avaliação médica da gravidade para possível prescrição de adrenalina auto injetável que, no entanto, não está disponível no Brasil.
A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) possui em seu portal “Anafilaxia Brasil” orientações sobre como adquirir o produto, via importação.
Após a resolução do quadro agudo no Departamento de Emergência, todo paciente que apresentou anafilaxia deve ser encaminhado a um Médico Alergologista para adequada orientação, investigação e acompanhamento.
Por Eduardo Alher João – [email protected]
Médico Residente em Medicina de Emergência – HCFMUSP
Clique no vídeo e assista:
Referências:
Brown C, Sakes J. The Walls Manual of Emergency airway manegment, 5th ed . Philadelphia: Wolters Kluwer; 2017.
Simons FER et al. World Allergy Organization Guidelines for the Assessment and Management of Anaphylaxis / World Allergy Organ J. 2011 Feb; 4(2): 13–37.
Muraro A et al. Anaphylaxis: guidelines from the European Academy of Allergyand Clinical Immunology. / Allergy. 2014 Aug;69(8):1026-45
Sampson HÁ et al. Second symposium on the definition and management of anaphylaxis Send to
J Allergy Clin Immunol. 2006 Feb;117(2):391-7.
Bernd LAG et al. Anafilaxia no Brasil – Levantamento da ASBAI / Rev. bras. alerg. imunopatol. – Vol. 33. N° 5, 2010
Worm M et al. Symptom profile and risk factors of anaphylaxis in Central Europe./ Allergy. 2012 May;67(5):691-8