O estudo ISIS 2 completou 30 anos de sua publicação no Lancet no dia 13 de agosto de 2018.
Representa uma pedra fundamental da cardiologia demonstrando com 17.187 pacientes o benefício da trombólise química no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST.
Esse estudo olhou não somente a estreptoquinase mas também a ácido acetilsalicílico em uma metodologia fatorial 2 x 2. Isto significa que os pacientes eram sorteados duas vezes. Uma vez para receber estreptoquinase ou placebo e uma segunda vez para receber ácido acetilsalicílico ou placebo. Constituíram-se quatro grupos – um grupo que recebeu apenas placebo (4.300 pacientes), um grupo que recebeu apenas ácido acetilsalicílico (4.295 pacientes), um grupo que recebeu apenas estreptoquinase (4.300 pacientes) e um grupo que recebeu ambas as drogas (4.292 pacientes).
Impressiona que o benefício da ácido acetilsalicílico é bem similar ao da estreptoquinase. A estreptoquinase isoladamente reduziu em 23% a taxa de óbitos cardiovasculares em 35 dias. O ácido acetilsalicílico isoladamente reduziu em 20%. A combinação de ambas as drogas reduziu em 39%*.
A estatina foi testada no contexto de angina instável de alto risco ou IAM onda Q (como era conhecido na época) em 2001.
3.096 pacientes receberam atorvastatina 80mg ou placebo entre 24 e 96 horas da admissão hospitalar. O desfecho primário era composto de morte, IAM não fatal, parada cardíaca ou isquemia comprovada recorrente. O uso de estatina reduziu o desfecho primário em 16% em 16 semanas – efeito principal em isquemia recorrente.
Uma atualização desse conhecimento saiu agora com o estudo SECURE-PCI dos Drs. Otávio Berwanger e Renato Lopes disponível em 24/setembro/2018 no JAMA Cardiology.
Nesse estudo os pacientes foram sorteados para receber 80mg de atorvastatina ou placebo já nas primeiras 24 horas após a síndrome coronariana aguda e no dia seguinte. Ambos os grupos transacionavam para 40mg de atorvastatina no terceiro dia por 30 dias. O desfecho primário foi composto por morte, IAM, AVC e revascularização coronariana não planejada em 30 dias.
De 4.191 pacientes, 2.710 foram submetidos a intervenção coronariana de urgência. Nestes 2.710 pacientes, a administração de estatina nas primeiras 24 horas reduziu em 26% o desfecho primário (principalmente por redução de infarto).
Assim, o uso de estatina na síndrome coronariana aguda é importante e esse estudo mostra que o momento do uso é fundamental, e que a estatina deve ser prescrita precocemente, talvez no mesmo momento da ácido acetilsalicílico.
O mecanismo fisiopatológico do benefício provavelmente não tem relação com redução dos níveis de colesterol LDL e sim com efeitos pleiotrópicos como a inibição da prenilação de proteínas das famílias Rho e Ras e consequente inibição de cascata inflamatória. O efeito da estatina não se compara àquele produzido pela administração de AAS observado no estudo ISIS, no entanto, também contribui com a saúde do paciente reduzindo eventos recorrentes.
Por Dr. Julio Flávio Meirelles Marchini, Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da USP, Supervisor da Residência de Medicina de Emergência e um dos coordenadores do curso de Medicina de Emergência da USP
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