O número de pacientes vítimas de uma parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar¹ com desfecho positivo tem crescido desde o início dos anos 1990². E um dos principais fatores que contribui para essa estatística é o aperfeiçoamento constante das diretrizes de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), atualizadas regularmente pelas sociedades médicas³.
Entre essas condutas, é consenso que o Suporte Básico de Vida (BLS) com compressão torácica externa de boa qualidade e desfibrilação precoce representa o eixo principal da RCP bem sucedida³. Apesar disso, as diretrizes fornecem aos socorristas orientações muito evasivas sobre o manejo ideal da ventilação durante a ressuscitação 4.
Os mecanismos pelos quais as manobras de RCP induzem o fluxo sanguíneo são razoavelmente conhecidos. Existem basicamente duas hipóteses: a da bomba torácica e a da compressão cardíaca – não iremos abordar o assunto neste texto. Aos interessados, aconselhamos a revisão de Cipani et cols 5.
Já em relação à ventilação durante a ressuscitação cardiopulmonar, as teorias são menos consensuais. Durante os primeiros minutos da RCP, os níveis séricos de oxigênio são adequados para a manutenção da vitalidade celular. No entanto, se o tempo de ressuscitação se estende, hipoxemia grave, hipercapnia e acidose podem acontecer, levando à contratilidade cardíaca ineficaz, redução da resistência vascular sistêmica e aumento da resistência vascular pulmonar6.
Outros mecanismos podem piorar a hemodinâmica durante a manobra, se não houver ventilação adequada:
Fica claro, portanto, que a troca gasosa pulmonar deve ser estimulada, o que, por outro lado, tem seus efeitos deletérios. Em contrapartida, a ventilação na Ressuscitação causa aumento da pressão intratorácica, levando à diminuição do retorno venoso e, consequentemente, do débito cardíaco. Esses eventos podem contribuir para uma menor perfusão coronária e cerebral, eliminando, assim, os fatores que caracterizam uma RCP bem-sucedida8.
Assim, ventilar o paciente durante a RCP extra-hospitalar é gerenciar um delicado equilíbrio entre garantir oxigenação adequada e remoção de dióxido de carbono, evitando os potenciais efeitos hemodinâmicos adversos da ventilação (por exemplo, perfusão coronariana diminuída e retorno venoso) e evitando interrupções das compressões torácicas efetivas4.
Pelo exposto acima, fica claro que os pacientes devem ser ventilados durante a RCP. A grande questão é: como fazer isso sem que a hemodinâmica seja comprometida?
A primeira pergunta a ser respondida é se as mudanças de pressão dentro do tórax, causadas pelas compressões externas, por si só, podem resultar em movimento de gás dentro das vias aéreas e consequente troca gasosa nos alvéolos. Em teoria, sim, mas alguns estudos sugerem que essa ventilação é irrelevante. Foi medido um volume corrente médio de 41.5 ml em pacientes que receberam somente compressão torácica, embora esse valor tenha sido medido depois que a RCP já durava algum tempo10.
Um estudo mais recente incluiu pacientes adultos que receberam compressão torácica na profundidade preconizada (5 cm). O volume corrente médio observado foi de 7,5 ml durante as compressões, com o valor mais alto observado sendo de 45,8 ml. A grande maioria dos volumes correntes registrados foi menor que 20 ml11. Embora ambos os estudos tenham incluído um número pequeno de pacientes, os dados são bastante compatíveis entre si, o que sugere que são representativos.
Assim, fica evidente que algum tipo de ventilação deve ser estabelecido.
As primeiras diretrizes de RCP lançadas pela American Heart Association (AHA) sugeriam que a obtenção de via aérea definitiva, através da intubação orotraqueal (IOT), devia ser realizada por pessoal capacitado assim que possível¹.
Ao longo de anos esse foi o procedimento padrão. No entanto, as evidências mais recentes sugerem que a IOT não é um procedimento tão vital durante a RCP12. Uma revisão sistemática recente analisou 99 artigos, envolvendo 630.397 pacientes, nos quais a ventilação durante a RCP foi realizada com três tipos de dispositivos: bolsa-valva-máscara (BVM ou ambu), máscara laríngea (ML) ou intubação orotraqueal (IOT). Os desfechos analisados foram mortalidade, função neurológica, retorno da circulação espontânea (ROSC), sucesso na IOT.
Ao final, os autores concluem que as evidências atualmente disponíveis não indicam benefícios de abordagens de vias aéreas mais invasivas com base nos desfechos analisados. Entretanto, a maioria dos estudos incluídos eram observacionais, o que sugere a necessidade de estudos clínicos randomizados de melhor qualidade sobre o assunto.
Foi exatamente esse o objetivo do estudo PART (Pragmatic Airway Resuscitation Trial), realizado nos Estados Unidos entre 2015 e 2017 e publicado em 201913. O trabalho incluiu 3.004 pacientes adultos, que receberam RCP extra-hospitalar, sendo que 1.499 estavam no grupo IOT e 1.505 foram mantidos com ML. Os desfechos avaliados foram sobrevida em 72 horas, sobrevida até alta hospitalar e sobrevida hospitalar com estado neurológico favorável.
As análises estatísticas post hoc do PART confirmaram melhores desfechos das RCPs nos pacientes atendidos fora do hospital com o uso da máscara laríngea, comparados aos que foram inicialmente submetidos à IOT13.
Mais interessante ainda é um artigo publicado mais recentemente, mostrando a análise a posteriori de um subgrupo de pacientes incluídos neste estudo14. Os autores avaliaram separadamente os pacientes que durante a RCP foram ventilados somente com os dispositivos BVM ou nos quais esses dispositivos foram usados como resgate.
Para surpresa de todos, os pacientes que foram ventilados com BVM apresentaram melhores desfechos do que os pacientes ventilados após IOT ou uso de ML14. Obviamente, estes dados devem ser olhados com cuidado, pois o estudo não foi desenhado para avaliar BVM, mas são achados bastante intrigantes que devem ser seguidos por estudos clínicos metodologicamente adequados.
Buscar as melhores evidências para o atendimento da PCR é sempre um tema complexo. Estudos controlados e randomizados nestes cenários são sempre muito difíceis de serem executados.
Todavia, acreditamos que existem alguns pontos que devem sempre ser considerados:
E, por último, um incentivo: a quem gosta de pesquisa clínica em emergência, a ventilação na RCP definitivamente é um bom campo de estudo.
Prof. Dr. Heraldo Possolo de Souza é professor associado do Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP e médico do Serviço de Emergências Clínicas do HCFMUSP. É um dos coordenadores do curso de Medicina de Emergência.