Controle pressórico no Acidente Vascular Encefálico hemorrágico agudo
Este post relata discussão realizada com os residentes, preceptores e assistentes sobre os artigos que atualizam o assunto.
O atendimento ao paciente com Acidente Vascular Encefálico hemorrágico (AVCh) é algo comum para o emergencista. Seja num primeiro atendimento ou após receber o paciente proveniente de outro serviço, já intubado, sempre surge a discussão com assistentes e preceptores sobre a redução da Pressão Arterial (PA). Mas até que valor? De onde vem a evidência para essa redução?
Para tirar essas dúvidas, nas últimas 2 semanas discutimos artigos sobre controle de PA no AVCh. Inicialmente discutimos o estudo ATACH-II (citando também o INTERACT-II) e na semana seguinte discutimos uma meta-análise publicada na Nature com os principais trials do tema.
ATACH-II
Estudo que avaliou o impacto da redução precoce de PA quanto à mortalidade e perda funcional, em pacientes com AVCh que chegavam ao hospital com até 4:30h do início dos sintomas e que possuíam PA sistólica mais elevada (>180mmHg). Não houve diferença no desfecho primário entre grupo controle (PA-alvo entre 140-179mmHg nas primeiras 24h) x grupo intensivo (PA-alvo entre 110-139mmHg) quando avaliados em 3 meses. O estudo foi interrompido após uma análise interina devido à futilidade da intervenção. Destaca-se que 55% dos pacientes tinham Glasgow 15 à admissão e talvez já estivessem predispostos a um desfecho favorável. Além disso, a PA sistólica dos pacientes no grupo controle era equivalente ao grupo intensivo em outro estudo (INTERACT-2).
Resumo: reduzir PA de forma agressiva em pacientes com AVCh não reduz mortalidade ou perda de funcionalidade em 3 meses.
Imagem 1. The New England Journal of Medicine
- Porque estudar este tema: a hipertensão em pacientes com AVCh é associada com expansão do hematoma e mortalidade. O estudo INTERACT-2 avaliou pacientes com AVCh em até 6 horas do início dos sintomas, com PA sistólica inicial entre 150 e 220 mmHg, para um grupo controle (PA sistólica <180 mmHg) x intensivo (PA sistólica <140 mmHg) em até 1 hora após a randomização, sem diferença no desfecho (mortalidade e perda de funcionalidade).
- Tipo de estudo: ensaio clínico randomizado não cego.
- Pergunta: a redução intensiva da PA de forma mais precoce em pacientes com AVCh com PA mais elevada (PA sistólica >180 mmHg) reduz mortalidade ou perda de funcionalidade?
- Intervenção: redução da PA sistólica para limites entre 140-179 mmHg (grupo controle) x 110-139 mmHg (grupo intervenção) em até 4:30h do início dos sintomas e mantida por 24 horas.
- Desfecho:
– primário: mortalidade ou perda de funcionalidade (Rankin 4 a 6) em 3 meses após o evento -> desfecho composto!!!
– secundário: qualidade de vida (escore EQ-5D), aumento do volume do hematoma em mais de 33% comparando-se TC de crânio de entrada e de controle em 24hs.
- Metodologia:
- Estudo multicêntrico (110 hospitais!);
- Critérios de inclusão: >18 anos; início do sintoma em até 4:30h até início da terapia; pelo menos 1 medida de PA sistólica > 180 mmHg; Glasgow > 4 na admissão; hematoma supratentorial < 60mL;
- Randomização realizada por meio de website;
- Análise interina por uma equipe independente para avaliar a segurança do estudo clínico;
- Intervenção: administração de nicardipino EV na dose de 5 mg/h; com aumento de 2,5 mg/h a cada 15 min, até uma dose máxima de 15 mg/h. Se, mesmo com dose máxima de nicardipino por 30 min a PA sistólica ainda estivesse fora do alvo (>180 mmHg no grupo controle ou > 140 mmHg no grupo intensivo), uma segunda droga, Labetalol, era iniciada;
- Falência terapêutica: 1a -> não redução da PA sistólica para dentro do alvo, em até 2 horas após início do tratamento; 2a -> PA sistólica mínima acima do valor máximo esperado para o grupo em 2 medidas consecutivas (espaçadas por 1 hora) durante qualquer período entre 2h e 24h após a randomização;
- Follow-up: via contato telefônico após 1 mês do evento e em consulta médica após 3 meses do evento.
- Resultados:
- Período do estudo: maio de 2011 a Setembro de 2015;
- Randomizados 500 pacientes para cada grupo;
- Uma crítica feita ao estudo foi o fato de que a maioria dos pacientes (55%), em ambos os grupos, tinham Glasgow 15 à admissão e uma menor validade externa por grande parte da população estudada ser composta por asiáticos (55 – 57%);
- PA sistólica mínima nas primeiras 2 horas de tratamento foi de 128.9 +- 16 mmHg no grupo intensivo x 141.1 +- 14.8 mmHg no grupo controle (outra crítica ao estudo é o fato da PA sistólica do grupo controle estar dentro da faixa do grupo intensivo em determinados momentos);
- Quanto ao desfecho primário, não houve diferença entre os grupos (38,7 x 37,7%) quanto a mortalidade (pela literatura revisada pelos autores, esperava-se mortalidade de 60% no grupo controle, com alvo de redução de 10%; talvez a ausência de diferença de mortalidade entre os grupos seja, em parte, atribuível à menor mortalidade encontrada já no grupo controle) ou perda de funcionalidade pela escala Rankin;
- Também não houve diferença entre os grupos quanto aos desfechos secundários;
- O grupo intensivo apresentou maior proporção de eventos adversos renais em até 7 dias após a randomização.
Bônus: os estudos INTERACT-I e ATACH-II foram estudos de fase I, desenhados para avaliar-se a segurança da redução da PA nos pacientes, possibilitando a realização de estudos posteriores avaliando-se mortalidade e funcionalidade.
Na semana seguinte, ainda debatendo o tema de redução da PA em pacientes com AVCh, discutimos uma meta-análise publicada na Nature em 2017 com os principais trials sobre o tema.
Este estudo avaliou 6 ensaios clínicos randomizados, com o total de 4412 pacientes, não sendo observado diferença entre morte e perda de funcionalidade, em 90d, mortalidade em 90d, hipotensão em 72h, melhora neurológica ou redução do hematoma em 24hs entre os grupos de redução intensiva da PA x controle. Apenas uma análise de subgrupos mostrou que a redução mais intensiva da PA em pacientes < 62 anos, em até 6 horas do início dos sintomas, com hematoma inicial <15mL e com hemorragia intraventricular associada poderiam ter benefício com a redução mais intensiva da PA quanto à menor expansão do hematoma, mas sem alteração dos demais desfechos.
Figura 1. Expansão do hematoma
- Porque estudar o
Imagem 2. Imagem do Scientific Reports – Nature
tema: a literatura mostra que a hipertensão, em pacientes com AVCh, pode levar a expansão do hematoma cerebral e estar associado a pior prognóstico neurológico. A redução intensiva da PA, no entanto, parece estar relacionada a pior desfecho também;
- Tipo de estudo: revisão sistemática e meta-análise;
- Metodologia: revisão sistemática, com 877 artigos avaliados e 6 ensaios clínicos analisados na versão final -> ATACH-2; Gong 2015, INTERACT-2, ADAPT, INTERACT, Koch 2008
- a maioria dos estudos tinham metas pressóricas semelhantes entre os grupos controle e intensivo;
- a medicação utilizada para redução da PA variou de forma importante entre os estudos, além de diferença entre o tempo do início dos sintomas ao início do tratamento;
- estudos avaliados quanto ao risco de viés e heterogeneidade.
- Desfecho:
- – Alteração do volume do hematoma e avaliação neurológica em 24hs;
- – Hipotensão em 72hs;
- – Mortalidade em 90 dias;
- – Mortalidade ou perda de funcionalidade em 90 dias;
- – Eventos adversos graves em 90 dias (IRA, recorrência de AVC, Sd coronariana aguda ou hipotensão importante).
- Resultados:
- Avaliados 4412 pacientes;
- Não houve diferença nos desfechos acima descritos quando comparados os grupos controle e tratamento intensivo, tanto em curto como em longo prazo;
- Análise de subgrupo mostrou que a redução mais intensiva da PA em pacientes < 62 anos, em até 6 horas do início dos sintomas, com hematoma inicial <15mL podem ter benefício com a redução mais intensiva da PA quanto à menor expansão do hematoma;
- Idade parece ser preditor de recuperação neurológica.
Com estes estudos, podemos concluir que existe uma heterogeneidade no tipo de tratamento da hipertensão em pacientes com AVCh. A redução da PA sistólica para níveis menores que 140mmHg parece ser segura, mas não associada a melhor desfecho dos pacientes quando comparado a uma meta de PA sistólica < 180mmHg.
Por Victor Costa – preceptor da disciplina de Emergências Clínicas do HCFMUSP. [email protected]