Febre Maculosa

Transcrito do Informe técnico sobre Febre Maculosa Brasileira do Centro de vigilância epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac

PM65 – 27/09/2002 – MR

Agente etiológico:

* Rickettsia rickettsii

* Bactéria Gram-negativa, intracelular obrigatória.

Também causa Febre Maculosa das Montanhas Rochosas, riquetsiose existente nos Estados Unidos

Vetores e reservatórios:

* Carrapato da espécie Amblyomma cajennense

* Presente em quase toda a América

* Conhecido como carrapato estrela, carrapato de cavalo ou rodoleiro

* Diversos roedores e outros animais também ajudam a manter o ciclo da doença.

Aves domésticas (galinhas, perus), aves silvestres (seriemas), mamíferos (cavalo, boi, carneiro, cabra, cão, porco, veado, capivara, cachorro do mato, coelho, cotia, quati, tatu, tamanduá) e animais de sangue frio (ofídeos).

Transmissão:

Picada do carrapato após sua alimentação, após ficar aderido por 6 a 10 horas.

Carrapatos na forma adulta tem forma dolorosa e geralmente é retirado antes disso. Mas carrapatos nas formas de larva e ninfa tem picada menos dolorosa e podem passar despercebido. Mas pode ocorrer a infecção através de lesões na pele ocasionadas pelo esmagamento do carrapato ao tentar retirá-lo. Não há transmissão homem a homem, não é necessário o isolamento.

Período de Incubação:

Varia de 2 a 14 dias, em média 7 dias, o tempo entre a picada do carrapato e as manifestações dos primeiros sintomas.

Patogenia:

Após a introdução na pele através da picada do carrapato, as rickettsias invadem células da vizinhança da porta de entrada, multiplicam-se e passam para a circulação, alcançando as células endoteliais de vênulas, arteríolas e capilares.

Quadro Clínico:

As manifestações clínicas da doença têm um espectro amplo variando de quadro inespecífico a septicemia.

A doença inicia-se abruptamente com febre, mialgia e cefaléia.

A febre, de moderada a alta, dura geralmente 2 a 3 semanas. A cefaléia costuma ser intensa e a mialgia ocorre por importante rabdomiólise e necrose focal múltipla. Ocorre, também precocemente no curso da doença, náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal difusa.

A doença evolui rapidamente com toxemia, hiperemia e congestão conjuntival.

O exantema, sinal bem sugestivo da doença, é mais tardio, surgindo entre o 3o e 5o dia da doença; começa como máculas eritematosas de cerca de 1 a 5 mm de diâmetro nos tornozelos e punhos, de onde se propagam para o tronco, face, pescoço, palmas das mãos e plantas dos pés. Esse tipo de exantema palmo-plantar é bastante típico da FMB. Ele evolui para máculo-papular, podendo progredir para petéquias, lesões hemorrágicas, necrose de pele e grangrena. É importante assinalar que em 9 a 16% dos casos o exantema está ausente. O esmaecimento e descamação do exantema costumam coincidir com a diminuição da temperatura, em geral, no final da segunda semana.

Progressão de doença

A doença progride, se não for precocemente tratada, depois da primeira semana, com lesões em SNC, pulmões e rins.

SNC

Os sintomas mais comuns do acometimento do SNC são: confusão mental e letargia que apontam para um pior prognóstico, principalmente quando há convu sões e coma. Podem ocorrer também déficits focais neurológicos, surdez transitória, meningismo, fotofobia, meningite ou meningo-encefalite.

Rins

O acometimento renal também assinala pior prognóstico. Pelo aumento da permeabilidade vascular ocorre desidratação com hipovolemia, insuficiência renal pré-renal, azotemia e em alguns casos necrose tubular aguda. Ocorre perda proteica acentuada que explica o edema generalizado observado em muitos casos.

Pulmões

O acometimento pulmonar ocorre em 17% dos pacientes e também se relaciona ao prognóstico. Caracteriza-se por pneumonia intersticial, infiltrado alveolar e derrame pleural. A principal causa de óbito é a síndrome de angústia respiratória do adulto (SARA).

Todo o trato gastrointestinal pode ser acometido ocorrendo necrose hepatocelular focal com aumento de enzimas hepáticas sem a falência hepática (a icterícia ocorre em 8 a 9% dos casos), lesões pancreáticas, esplênias e sangramentos relacionados às vasculites.

No quadro clássico de FMB, o óbito ocorre cerca de 8 a 15 dias após o início dos sintomas, sem o tratamento adequado. Porém, pode ocorrer a forma fulminante com óbito entre 1o e o 5o dia de doença, dificultando o diagnóstico pelo curso rápido.

Diagnóstico Diferencial:

  • leptospirose
  • meningococcemia
  • outras septicemias (principalmente as causadas por bacilos gram-negativos)
  • dengue
  • sarampo
  • rubéola
  • infecções por enterovírus e arbovírus
  • outras rickettsioses (em especial, o tifo murino)
  • febre tifóide
  • mononucleose infecciosa
  • sífilis secundária
  • reações a drogas
  • febre purpúrica brasileira
  • ehrlichiose humana.

Diagnóstico Laboratorial:

  • Reação de imunofluorescência indireta (RIFI): detectam presença de anticorpos contra a bactéria, a partir de coleta de sangue.
    • Como os anticorpos começam a ascender a partir da segunda semana de doença, a amostra de sangue para sorologia deverá ser colhida após o 7o dia, quando o acompanhamento do paciente for realizado ambulatorialmente. Em casos mais graves que requerem internação, a coleta de sangue deverá ser feita quando da suspeita clínica.
  • Exame de Imunohistoquímica: detecta a bactéria em amostras de tecidos obtidas a partir de biópsia de lesões de pele.
  • Técnicas de biologia molecular − reação em cadeia da polimerase (PCR): realizada a partir de amostras de sangue, tecido de biópsia. Detecta o material genético da bactéria.
  • Isolamento da bactéria: O isolamento da bactéria é feito a partir do sangue (coágulo) ou de fragmentos de tecidos (pele e pulmão obtidos por biópsia) ou de órgãos (pulmão, baço, fígado obtidos por necrópsia), além do carrapato retirado do paciente. A bactéria irá crescer em um meio de cultura.

Achados laboratoriais

  • Leucometria pode estar normal, diminuída ou discretamente aumentada;
    • Geralmente ocorre desvio à esquerda na contagem diferencial.
  • Observa-se anemia em 30% dos casos
  • Plaquetopenia em 30 a 52%.
  • As enzimas musculares (CPK e DHL) estão aumentadas no sangue em 72 a 83% dos casos.
  • Há aumento da bilirrubina conjugada (direta) em 18 a 30% dos casos.
  • As enzimas hepáticas (ALT e AST) estão aumentadas em 36 a 66% dos casos.
  • A hiponatremia ocorre em metade dos casos
  • Nos casos com evolução para quadro neurológico, o líquor apresenta leucocitose de 10 a 100 células em 30% dos casos (predomínio de linfócitos ou neutrófilos)

Tratamento:

  • Após coleta de material para diagnóstico específico iniciar antibiótico assim que possível
  • Antibiótico de escolha:
    • Tetraciclina
      • 25-50mg/kg/dia dividido em 4 doses diárias
    • Doxiciclina
      • 100mg 12/12h
    • Cloranfenicol
      • Endovenoso
      • Para casos graves
      • 50-75mg/kg/dia dividido em 4 doses diárias
    • Tempo de tratamento
      • Mínimo 7 dias e 2 dias após fim da febre.

Notificação:

Importante: De acordo com a Portaria do MS de consolidação PORTARIA Nº 264, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2020 – todo caso de febre maculosa é de notificação obrigatória às autoridades locais de saúde. Deve-se iniciar a investigação epidemiológica em até 48 horas após a notificação, avaliando a necessidade de adoção de medidas de controle pertinentes.