Imagem em destaque: Ilustração digital da Neisseria meningitis
O que é a meningite bacteriana Aguda?
- Meningite Bacteriana Aguda (MBA) é definida como uma emergência neurológica, ameaçadora à vida, que decorre da infecção bacteriana, resultando em inflamação das meninges
- Antigamente predominava nas crianças, porém nos últimos anos vem acometendo predominantemente a população adulta
- A mudança da faixa etária acometida decorre da vacinação em massa da população pediátrica
Quais bactérias causam meningite?
- É mais comumente causada pelo Streptococcus pneumoniae (50%) e Neisseria meningitis (30%)
- A Listeria monocytogenes é responsável por cerca de 5% dos casos e é mais comum nos imunocomprometidos e pessoas com mais de 50 anos
- Na população que recebeu abordagem neurocirúrgica, os patógenos predominantes são: pneumoniae, S. aureus, Staphylococcus Coagulase Negativo (incluindo cepas resistentes a meticilina/oxacilina) e bacilos Gram negativo (especialmente enterobactérias)
Quem tem mais risco de adquirir essa infecção?
- Os principais fatores de risco para adquirir meningite bacteriana são:
- Imunossupressão
- Idade avançada
- Abordagem neurocirúrgica prévia
- Infecções próximas às meninges (e.g. otite, mastoidite, sinusite)
- Morar em ambiente com aglomeração de pessoas (e.g. acampamento militar, dormitórios colegiais)
Como a meningite se desenvolve e quais as consequências disso?
- As bactérias podem atingir o sistema nervoso central de algumas formas:
- Através da corrente sanguínea: Algumas bactérias têm a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), principalmente N meningitis e S pneumoniae
- Essas bactérias comumente colonizam a nasofaringe e a partir daí invadem a corrente sanguínea
- Infecção por contiguidade: Nos pacientes que apresentam otite, mastoidite e sinusite
- Entrada dos germes a partir de defeitos na duramater: Em pacientes com fístula liquórica
- Inoculação direta secundária a procedimentos neurocirúrgicos
- Os achados clínicos e laboratoriais podem ser explicados pela patogênese da doença:
- A invasão bacteriana do espaço subaracnoide resulta na liberação de citocinas pró-inflamatórias gerando inflamação do espaço subaracnóide
- Resultando em Febre e Cefaleia
- As citocinas e outros mediadores induzem encefalopatia subpial
- Podendo causar Meningismo, Confusão mental e Redução da glicorraquia
- A quebra da barreira hematoencefálica e a migração transendotelial dos leucócitos causam edema cerebral
- Podendo resultar em Alteração do nível de consciência, Elevação da pressão liquórica, Aumento da proteinorraquia e Sintomas focais
- O fluxo cerebral prejudicado, aumento da pressão intracraniana e a inflamação dos vasos cerebrais
- Podem gerar Rebaixamento do nível de consciência, Convulsões, Sinais neurológicos focais (e.g. paralisia de nervos cranianos)
- A injúria neuronal decorrente do quadro pode gerar paralisia, distúrbios cognitivos, coma e morte nos casos não tratados
Como dar o diagnóstico de Meningite bacteriana?
- O diagnóstico clínico de meningite bacteriana pode ser difícil, pois diversas doenças têm sintomas semelhantes
- A tríade clássica: Febre, rigidez de nuca e alteração do nível de consciência está presente em menos de 50% dos casos, sendo mais comum nos idosos e em pacientes com meningite pneumocócica
- Entretanto, pelo menos dois dos seguintes achados estão presentes em até 95% dos casos
- Cefaleia
- Febre
- Rigidez de nuca
- Alteração do nível de consciência
- Os sinais de Kernig e Brudzinski não são manobras confiáveis para excluir ou confirmar o diagnóstico de meningite
- Um pequeno percentual de pacientes podem ter uma apresentação fulminante com início súbito, deterioração rápida, edema cerebral abrupto, hipertensão intracraniana e herniação cerebral
- A presença de petéquias ou rash purpúrico de rápida evolução podem indicar doença meningocócica
- O diagnóstico diferencial é amplo e as seguintes causas devem ser lembradas:
- Meningite viral
- Outras formas de meningite infecciosa (e.g. meningite criptocócica)
- Meningites não infecciosas:
- Doenças autoimunes
- Medicações (e.g. AINEs, trimetoprim)
- Carcinomatose meníngea
- Doenças não meníngeas:
- Hemorragia subaracnoidea
- Enxaqueca
- Outras doenças virais
- O método padrão ouro para o diagnóstico de meningite é a punção lombar com análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) e deve ser realizada em todos os pacientes, salvo contraindicações
- A medida da pressão de abertura (pressão inicial) na punção lombar deve ser realizada e comumente está aumentada nesses pacientes
- Uma alta contagem de leucócitos no líquor indica inflamação das meninges, porém alguns pacientes podem ter bactérias no LCR sem aumento de leucócitos. Esses pacientes têm prognóstico pior.
- As proteínas e a glicose do LCR devem ser medidas e os pacientes com meningite bacteriana costumam ter proteína aumentada e glicose reduzida
- A concentração de glicose do LCR pode ser influenciada pela concentração sérica, então uma amostra da glicose sérica deve ser colhida
- O lactato medido no líquor apresenta vantagem sobre a glicose pois não é afetada pela concentração sérica de lactato
- O lactato do LCR, se colhido antes da antibioticoterapia, tem sensibilidade de 93% e especificidade de 96% para diferenciar meningite bacteriana de viral.
- A coloração por Gram e cultura do líquor ajudam tanto no isolamento do agente etiológico quanto na identificação de suscetibilidade antimicrobiana
- Se realizada após início da antibioticoterapia, a chance de identificação do microorganismo cai em 44%
- A reação em cadeia de polimerase (PCR) para identificação de patógenos pode ser realizada e tem alta sensibilidade e especificidade para os agentes causadores mais comuns
- Deve ser considerado adicionar pesquisa para herpes simplex vírus (PCR), visto que o quadro clínico pode ser semelhante a MBA
- Teste de aglutinação de látex não é recomendado de rotina, pois estudos recentes demonstraram resultados falso positivos e falha da positividade do teste em alterar conduta
- Pode ser útil em pacientes que já fizeram uso de antibióticos e/ou apresentam Gram e cultura negativos
- Testes positivos confirmam o diagnóstico, porém testes negativos não o excluem
Tabela 1
- Posto que alguns pacientes têm risco de herniação cerebral após punção lombar, a tomografia de crânio sem contraste deve ser realizada antes da punção, nos seguintes casos:
- Imunodeprimidos
- Papiledema
- História de doença prévia no sistema nervoso central
- Sinal neurológico focal
- Episódio convulsivo novo na semana anterior
- Rebaixamento do nível de consciência (Glasgow ? 8)
- Devem ser solicitados em todos os pacientes: hemograma, hemocultura e coagulograma
Como e quando eu devo tratar?
- Atrasos no início do tratamento estão associados a aumento da mortalidade
- Considerar dar início a antibioticoterapia empírica se a punção lombar não puder ser realizada imediatamente, devido à realização de: tomografia de crânio, necessidade de reversão de anticoagulação ou plaquetopenia (<50.000/mm3)
- Nesses casos deve-se garantir a coleta das hemoculturas antes do início do antibiótico
- Iniciar antibioticoterapia de imediato se o aspecto do líquor for purulento
- A antibioticoterapia deve se basear nos patógenos mais comuns, o padrão de resistência local e a capacidade do antibiótico de penetrar a barreira hematoencefálica
- A emergência de cepas de pneumococo resistentes à penicilina tem mudado a escolha da antibioticoterapia empírica ao redor do mundo
- Se for considerada a possibilidade de pneumococo resistente, deve-se adicionar vancomicina à antibioticoterapia
- Devido a sua baixa capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, a vancomicina deve ser usada em conjunto com outro antibiótico, mais comumente uma cefalosporina; na meninge inflamada, a penetração da vancomicina é maior
- O achado de cepas de meningoco resistente a antibiótico é rara, todavia recentemente têm sido relatados alguns sorotipos com suscetibilidade reduzida à penicilina (e.g. sorotipos C e W135)
- A antibioticoterapia empírica no Brasil deve ser realizada da seguinte forma:
Circunstância Clínica |
Etiologia usual |
Tratamento empírico inicial |
Adultos sem fator de risco |
Pneumococo
Meningococo |
Ceftriaxona 2g IV 12/12h |
TCE penetrante, neurocirurgia ou válvula de derivação liquórica |
S aureus ou coagulase negativo
Pseudomonas aeruginosa
Acinetobacter baumannii |
Vancomicina 1-2g IV 12/12h + Ceftazidima 2g IV 8/8h |
Fístula Liquórica |
Pneumococo |
Ceftriaxona 2g IV 12/12h |
Gestantes, adultos > 50 anos, portadores de HIV |
+ Listeria monocytogenes |
Adicionar ampicilina ao esquema terapêutico |
Tabela 2 . Retirado de: Guia de utilização de anti-infecciosos e recomendações para a prevenção de infecções relacionadas à assistência a saúde – HC FMUSP 2015-2017
- Existem poucos estudos que nos ajudam a guiar o tempo de antibioticoterapia, mas é consenso que a meningite meningocócica deve ser tratada por 5 a 7 dias, pneumocócica por 10 a 14 dias e os casos causados por Listeria devem ter a terapia prolongada para 21 dias
- A antibioticoterapia deve ser descalonada assim que o agente causador for identificado
- Dexametasona deve ser prescrita na dose de 0,15mg/kg (ou 10mg) 6/6h IV por 2 a 4 dias, para todos os pacientes com suspeita de meningite bacteriana
- A primeira dose deve ser prescrita um pouco antes ou em conjunto com o antibiótico
- Tem capacidade de reduzir mortalidade em meningite pneumocócica
- Nos pacientes em que há encefalite associada ao quadro, deve-se prescrever aciclovir na dose de 10mg/kg IV 8/8h, até que a pesquisa para Herpes Vírus seja negativa
- Os pacientes devem ser mantidos em isolamento respiratório para gotículas
- A partir do momento da suspeita diagnóstica até passadas 24 horas de antibioticoterapia
Quem morre mais?
- A despeito da antibioticoterapia adequada e em tempo adequado, devemos ter em mente que a letalidade dessa condição é altíssima, girando em torno de 50%
- Os grupos de risco para maior mortalidade são:
- Idade avançada
- Rebaixamento do nível de consciência
- Hemocultura positiva
- Plaquetopenia
Podemos considerar alta hospitalar com continuidade da terapia em domicílio quando:
- O paciente já tiver recebido mais de 6 dias de ATB IV
- Sem febre há 48 horas e estável clinicamente
- Capacidade de ingesta oral preservada
- Fácil acesso ao serviço de saúde
- Acesso a home care ou hospital dia para antibioticoterapia IV se esta for necessária
A quimioprofilaxia para os contactantes deve ser prescrita nas seguintes situações:
- Meningite meningocócica suspeita ou confirmada
- Contato próximo por mais de 8 horas
- Contato com secreções orais, nos 7 dias que antecederam a apresentação até 24 horas após início da antibioticoterapia
- Deve ser feita com um destes:
- Rifampicina 600mg VO 12/12h por 2 dias
- Ciprofloxacino 500mg VO dose única
- Ceftriaxona 250mg IM dose única
- A vacinação para meningococo, hemofilo e pneumococo tem mudado o perfil epidemiológico da meningite, reduzido mortes e sequelas na população geral e deve ser realizada em todas as crianças e adolescentes, nos adultos com mais de 65 anos e na população de 19-64 anos com indicação específica
Dr. Patrick Aureo Lacerda de Almeida Pinto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP
Referências: