Varíola dos Macacos: diagnóstico, sintomas e tratamento

Varíola dos Macacos: diagnóstico, sintomas e tratamento

Varíola dos Macacos

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou neste sábado (23) emergência de saúde global para varíola dos macacos. Desde o início de maio, foram registrados mais de 16 mil casos da doença em 75 países, 600 deles no Brasil. Neste artigo, elaboramos um resumo com o que sabemos até o momento, as preocupações envolvidas e porque não devemos perder o sono por causa da doença.

O que é a varíola dos macacos?

A Varíola dos Macacos (VM) é uma doença causada por um vírus do gênero Orthopoxvirus, o mesmo do vírus da varíola humana. Foi isolado pela primeira vez em 1958, de macacos (daí o nome), embora possa ser encontrado em outros mamíferos (esquilos, entre outros menos cotados). Assim como acontece com muitas zoonoses, este poxvírus é transmitido incidentalmente aos seres humanos quando encontram animais infectados.

Antes de 2022, a contaminação de humanos fora da África foi documentada muito raramente. Alguns casos esporádicos foram detectados na Europa ou Estados Unidos, ligados à adoção de ratos selvagens (“pouched rats”) contaminados como animais de estimação.

Esses vírus são originários de duas regiões africanas diferentes (a Bacia do Congo e África Ocidental), sendo que o atual surto é causado pela última, que origina uma doença menos grave.

Surto de Varíola dos macacos de 2022

Diversos casos de VM foram relatados no início de maio em países onde a doença não é endêmica. Até junho, mais de 1,300 casos autóctones haviam sido confirmados em ao menos 30 países, a maioria deles na Europa (principalmente Portugal, Espanha e Reino Unido).

No Brasil, os primeiros casos foram detectados em junho e até o momento, mais de 300 pacientes foram diagnosticados com a doença. A maioria dos casos, por enquanto, foi detectada em homens que fazem sexo com outros homens, mas não se trata de uma doença sexualmente transmissível, como formalmente definida.

O contágio acontece através do contato com vesículas da pele de indivíduo portador da doença. Assim, qualquer tipo de contato mais próximo com alguém com vesículas pode infectar, o que sugere que a doença tende a se espalhar em outros grupos.

Sintomas clínicos da VM

O tempo de incubação da VM pode variar de 5 dias a 3 semanas. Os sintomas iniciais são inespecíficos:  febre, calafrios, fadiga, cefaleia, dores musculares, dor de garganta, linfadenopatia.

Lesões cutâneas podem aparecer nesse período e evoluem de máculas e pápulas para vesículas e pústulas que ulceram e formam crostas. A cicatrização das úlceras pode durar semanas. As lesões iniciais são geralmente no local da inoculação, o que pode explicar porque no surto atual as lesões foram localizadas na região genital ou ânus. Na grande maioria das vezes, a infecção por varíola dos macacos é autolimitada, geralmente durando de 2 a 4 semanas.

As complicações podem incluir pneumonia, encefalite e infecções oculares, que ocorrem principalmente em crianças menores de 8 anos, gestantes ou indivíduos imunocomprometidos. A taxa de mortalidade é estimada entre 1% e 11%

 Diagnóstico e Diferencial

O diagnóstico diferencial inclui outros poxvírus e herpesvírus, como varicela e sífilis primária. A identificação clínica da doença deve ser confirmada por métodos laboratoriais, com a coleta do material das vesículas e realização de PCR para identificação da presença do vírus. A amostra para o diagnóstico de varíola dos macacos deve ser coletada com swab e preferencialmente obtida de uma lesão cutânea aberta. Casos suspeitos e/ou confirmados devem ser notificados.

Em casos extremos de dificuldade diagnóstica, pode ser realizada a biópsia da lesão cutânea. Os achados mais comuns são inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas proeminentes nas células epiteliais. Outras alterações observadas na epiderme podem incluir degeneração em balão, necrose de queratinócitos e hiperplasia. A derme apresenta inflamação linfocítica e, à medida que a ulceração ocorre, há infiltração de neutrófilos, eosinófilos e células gigantes multinucleadas. Inflamação ao redor dos vasos (vasculite) também está presente.

Tratamento da VM

Por se tratar, na grande maioria dos casos, de uma doença autolimitada que não acomete órgãos vitais, o tratamento é sintomático. Analgésicos para aliviar as dores causadas pela lesão e anti-histamínicos na fase de cicatrização, quando prurido pode estar presente. O isolamento do paciente é necessário durante todo o período. O tratamento com antivirais deve ser restrito aos casos mais graves, de pacientes imunocomprometidos, gestantes ou menores de oito anos.

Atualmente, existem 2 medicamentos antivirais que podem ser usados ​​para infecções por varíola dos macacos: tecovirimat e brincidofovir. Ambas as drogas foram aprovadas pelo FDA para tratamento de varíola e citomegalovírus, respectivamente, embora não haja evidências conclusivas de sucesso no tratamento da VM. A imunoglobulina intravenosa de vacínia (VIGIV) pode ser considerada para pacientes com infecção grave por varíola ou como profilaxia em indivíduos expostos com imunodeficiência de células T. Nenhuma das drogas está disponível comercialmente no Brasil. No entanto, deve ficar claro que atualmente há evidências conclusivas de que os indivíduos com infecção por varíola dos macacos se beneficiem do tratamento com agentes antivirais ou VIGIV.

Prevenção

 O principal fator a ser considerado ao se falar da varíola dos macacos é a prevenção.

A população deve ser orientada a evitar o contato direto com lesões de pele ou com materiais usados (como roupas, roupas de cama e toalhas) ​​por pacientes com diagnóstico ou suspeita de VM.

A equipe médica e multiprofissional que cuida de pacientes com lesões de pele deve usar equipamentos de proteção individual, incluindo avental, luvas, proteção para os olhos e uma máscara N95 ajustada. O paciente com lesões suspeitas deve passar a utilizar máscara, ter as lesões cobertas com um avental ou lençol e ser colocado em isolamento em um quarto individual. Não é necessário nenhum tratamento de ar especial, mas se um paciente for internado no hospital para atendimento, ele deve ser colocado em uma sala de pressão negativa, se disponível.

Para controle de infecção ambiental, os procedimentos padrão de limpeza e desinfecção são suficientes, mas a roupa suja deve ser manuseada com luvas para evitar o contato com o material da lesão que possa estar presente na roupa.

Acredita-se que a vacinação contra a varíola forneça até 85% de proteção cruzada contra a VM, embora a duração seja desconhecida. No entanto, só os mais idosos receberam essa vacina, uma vez que a doença foi considerada erradicada na década de 1980. Uma vacina específica para prevenir a VM ainda não está disponível.

Conclusão

 Embora seja uma doença com alta taxa de transmissão, a Varíola dos macacos é, na grande maioria dos casos, autolimitada. No entanto gera desconforto, e necessidade de isolamento. A principal medida para seu controle é a prevenção.

Autores

Prof. Dr. Heraldo Possolo de Souza é professor associado do Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Emergências Clínicas da FMUSP e médico do Serviço de Emergências Clínicas do HCFMUSP. É um dos coordenadores do curso de Medicina de Emergência.

 

Curso de Medicina de Emergência USP 2023